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domingo, 2 de novembro de 2014

A desresponsabilização possível do TÉCNICO de SEGURANÇA no TRABALHO


Autoria:
Paulo Moreira
Jurista / Sócio fundador da Factor Segurança



Introdução

A profissão de Técnico de Segurança no Trabalho (TST) é uma profissão de elevado risco.

O objeto da atividade do TST – a defesa de princípios constitucionalmente consagrados: vida e integridade física e psíquica – aliado ao estatuto com que intervém nas organizações – autonomia técnica – sem que por parte dos seus empregadores haja o necessário apoio, fazem desta profissão uma profissão de elevadíssimo risco.

 
Ao longo da minha atividade nesta área, quer enquanto sócio da FACTOR SEGURANÇA, quer enquanto formador nesta área da SST (ministrei o módulo de legislação de SST durante 10 anos num Centro de Formação na atividade mais causadora de mortes no trabalho (CICCOPN)), fui recolhendo boas práticas que permitem ao TST defender-se da responsabilidade que lhe possa advir do exercício da usa atividade, que disponibilizo no quadro abaixo.

 
As medidas aparecem no Quadro pela ordem inversa da sua importância, e não contêm a fundamentação legal que sustenta cada medida uma vez que tornaria o quadro demasiado extenso. Porém, a fundamentação existe e é transmitida aos formandos nos cursos que a FACTOR SEGURANÇA organiza sobre esta temática.

 
Por fim, importa referir que o elenco não é exaustivo, aceitando o autor sugestões de outras medidas que, após análise, possam integrar a listagem.

 
Façam bom proveito delas!


 
Enquadramento

Medidas
Objectivo
- consulta de documentos oficiais prospectivos estruturantes das entidades reguladoras / inspectivas da Segurança e Saúde no trabalho (ACT e DGS) com objectivos, definição de acções de intervenção nas empresas e calendarização das intervenções, ex.  Plano de Ação Estratégica 2013 / 2015 ou Plano de Atividades 2014  (ver exemplos de campanhas em curso ou já terminadas)
- antecipar intervenções necessárias ao nível da empresa para conformação com as novas linhas estratégicas de acção / inspecção das entidades reguladoras / inspectivas da Segurança e Saúde no trabalho (ACT e DGS) evitando ser confrontado mais tarde com notificações para tomadas de decisão ou mesmo com a  aplicação de coimas por inspectores menos adeptos da “pedagogia”
- consulta de documentos oficiais retrospectivos das entidades reguladoras / inspetivas, ex Relatórios de atividade anual com a prática da ACT no período em referência
- medir o risco de comportamentos pouco conformes com os requisitos legais ou mesmo o risco de não comportamentos, jogando na percentagem de acção “correctiva” e “autuante” das entidades inspectivas
- subscrição de Newsletters de entidades reguladoras / inspectivas
- estar ao corrente das iniciativas que cada entidade lança e das suas tomadas de posição, para poder participar ou precaver-se
- consultas aos sites das entidades reguladoras / inspectivas
- aperceber-se de novas potencialidades dos sites, de novos instrumentos disponibilizados para ajudar a tarefa do técnico de segurança (ex. manuais ou modelos de chek-up da ACT ou Agencia Europeia de SST – SST na empresa)
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Consulta, informação e formação

Medidas
Objectivo
- consultar, consultar, consultar, informar, informar, informar, formar, formar, formar (através de DDS; DSS; DQS; DMS)
- levar à prática a máxima de que a SST é função de todos e não de apenas os trabalhadores com funções específicas ao nível da SST; a ideia é co-responsabilizar os trabalhadores no funcionamento do sistema, evitando que o técnico de SHT seja responsabilizado por “factos” sobre os quais não tenha domínio em razão da sua impossibilidade de estar em todo o lado ao mesmo tempo. 
- consulta dos trabalhadores nos momentos em que um facto relacionado com a SST ocorre, ex. distribuição de um EPI, entrega de um FDS, de um manual de utilização de um equipamento de trabalho, etc.
- aproveitar o momento “permissivo” de atenção direccionada do trabalhador para recolher informação relevante e conexa com o facto “segurança” que ocorre no momento e envolver e motivar o trabalhador.
- disponibilização, em local destinado pela empresa para as comunicações públicas aos trabalhadores, de mecanismos de consulta voluntária permanente (ou em local identificado na INTRANET da empresa, no caso de existir)
- demonstrar a boa fé do empregador e a sua vontade na recolha das sugestões
- solenização da informação em matéria de SST, com junção dos trabalhadores em sala, com distribuição de panfleto informativo sobre o conteúdo da informação que vai ser prestada e lista de presenças (através de DDS; DSS; DQS; DMS)
- vincular os trabalhadores ao momento informativo, quer pela assinatura da lista de presenças quer pela recepção do panfleto informativo, evitando que em caso de acidente possam invocar desconhecimento de matérias importantes que possam ser transmitidas pela via da “informação” e assim evitar a descaracterização do acidente quando tal seja de aplicar
- transformação da informação em formação sempre que o objectivo da primeira seja de ordem comportamental (aprendizagem de novos comportamentos ou alteração dos existentes) e a introdução de novos valores
- garantir que os comportamentos são interiorizados, que passam a constituir o “modus operandi”, evitando que em caso de acidente possam invocar habitualidade ao perigo, ou fruto de experiência profissional anterior, e assim evitar a descaracterização do acidente quando tal seja de aplicar
- utilização, na formação, do método demonstrativo: directo, indirecto mas preferencialmente como formação no posto de trabalho
- é a forma mais eficaz de transmitir o “saber fazer”, a competência “operacional”, de levar o trabalhador a interiorizar a “boa prática”, o comportamento seguro correcto
- utilização, na avaliação da formação, da técnica da observação (variantes directa ou indirecta) com os instrumentos correspondentes (-fichas de observação;  - listas de ocorrência e - escalas de classificação).    
- impedir que certos trabalhadores mais “irreverentes” possam invocar desconhecimento dos comportamentos / boas práticas incutidos na formação.   
- utilização, na avaliação da formação, de testes com V / F, para uma rápida avaliação de conhecimentos, sem prejuízo da avaliação reacção que deve acompanhar este inquérito             
- a possibilidade de junção num mesmo documento das funções “sumativas” e “e receptivas” da avaliação pode ser uma boa ou uma má ideia, mas o que se pretende é que os trabalhadores se comprometam, em termos de “reacção” à formação, com um resultado compatível em termos sumativos; ex. se um trabalhador afirma que os objectivos da formação foram atingidos, que a compreensão dos assuntos foi boa, depois não vai propositadamente errar as respostas sob pena de incongruência
- na avaliação da formação dar preferência ao método multinível de KickPatrick (em detrimento dos métodos CIRO e CIPP)                          
- este método de avaliação assenta em 4 tipos de avaliação: reacção, aprendizagem, transferência e impacto, permitindo cobrir todo o raio de impacto da formação. Dá trabalho mas permite um acompanhamento da eficácia da formação e retirada de conclusões para futuras formações

 

Exercício dos poderes directivo, regulamentar e disciplinar

- dar efectivamente ordens e instruções direccionadas à SST
- o poder só se legitima exercendo-o em função dos objetivos para que é instituído. O seu não exercício impede que sejam exercidos eficazmente outros poderes conexos com aquele, como seja o poder disciplinar. Quem não dá ordens, não pode esperar que violem as suas ordens, logo não pode sancionar o incumprimento. O não exercício dos poderes gera anarquia e impossibilidade de gestão.
Como os 3 poderes são “poderes-deveres” o seu não exercício pode levar o empregador a incorrer em responsabilidade civil (subjectiva indirecta) por “culpa in instruendo”
- exercer efetivamente o “poder de direção”
- o exercício efetivo do “poder de direção” (artº 97 do Código do TYrabalho) é condição “sine qua non” de sucesso do Tec.SST. SE não estiver expressamente previsto que este o detém, o Tec.SST deve garantir que isso acontece, sob pena de se tornar o “palhaço da festa”.
- difundir pela via escrita, via ordem de serviço ou RI, informações e “modus operandi” sobre SST de forma perceptível para todos
- se dar ordens é fundamental, levar o seu conteúdo a escrito  aumenta consideravelmente o seu efeito. Permite o conhecimento permanente da vontade de quem o emite. Além do mais permite ao emissor expressar as consequências de um eventual não cumprimento (ex. aplicação da sanção X ou Y).
O mesmo do quadro acima em matéria de responsabilidade.
- estabelecer formas de “controlar / vigiar” o cumprimento dos comportamentos dos trabalhadores relacionados com a SST e …
(matéria muito complexa pelas limitações legais existentes em sede de direitos de personalidade)
- exercer o poder directivo sem vigiar o cumprimento do mesmo leva à sua ineficácia. Como os 3 podres, são “poderes-deveres” o seu não exercício pode levar o empregador a incorrer em responsabilidade civil (subjectiva indirecta) por “culpa in vigilando” 
- aplicar sanções quando se detectem violações às normas instituídas
- devem ser exercido o poder disciplinar, com o respectivo registo em livro próprio, para evitar que o empregador venha a incorrer em responsabilidade civil (subjectiva indirecta) por “culpa in vigilando” por incapacidade de demonstrar que efectivamente exerce este poder
- dar o exemplo em matéria de boas práticas em SST
- sem exemplo dos responsáveis – gerência e chefias intermédias - não há sustentabilidade no sistema de SST. “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” é um ditado não aplicável na SST
- pedir para receber delegação expressa do poder disciplinar
- poder agir de imediato em caso de detecção de infracções, de forma a estabelecer um nexo entre a infração e a punição. O exercício do poder disciplinar apenas pode ser exercido pelo empregador, exceto quando ele o delegue expressamente (nº 4 do art.329 do Código do Trabalho). Como tal, o Tec.SST deve solicitar, de preferência como condição de admissão na empresa, a sua delegação expressa, ainda que limitada aos 2 primeiros tipos de sanções referidas no artº 328 CT)

 

Estruturação de responsabilidades funcionais

- elaborar uma política de segurança que tenha conteúdo útil
- uma política de segurança que se fique pela vulgar identificação da missão e objectivos é pouco eficaz. Deve contar normas sobre responsabilidades funcionais, regras para dirimir conflitos entre produtividade e SST
- manual de funções / obrigações em sede de SST
- deve ser elaborado e difundido por todos os trabalhadores uma “informação” (máximo uma folha A4) com a definição das obrigações de cada um, ainda que transcritas da lei, e das consequências conexas com o seu incumprimento, e com o poder expresso de cada hierarquia em matéria de SST
- reuniões sobre SST
- a ideia das reuniões entre os membros da Gerência / Administração com o pelouro da SST com o técnico de SST e as chefias intermédias assume vários objectivos:
- ”limar” eventuais “desconformidades”;
- solenizar a função de SST junto das chefias intermédias;
- reiterar o comprometimento de todos para SST;
- informar os responsáveis das várias responsabilidades em que pode incorrer (civil, contraordenacional, criminal) (ver ponto 1 do quadro abaixo)
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Fluxo de comunicações relevantes inter-partes

- informar o Empregador da totalidade das suas responsabilidades em matéria de SST
- o Tec.SST deve ser capaz de elaborar um quadro de responsabilidades integrais da Administração em matéria de SST, não esquecendo a importância da responsabilidade criminal, nomeadamente os crimes de “perigo comum” (aqueles do artº 152-B e 277 CP), a responsabilidade civil direta e indireta, a responsabilidade objetiva (a de garantia e a de risco), e a contraordenacional, bem como (ESPECTO IMPORTANTE) os mecanismos de precaução contra a concretização desta responsabilidade. Infelizmente os Tec.SST falham em toda a linha nesta matéria.
- comunicar “online” com os superiores hierárquicos da SST (membro da administração ou outro superior hierárquico delegado) os factos e as decisões tomadas com eles conexos
- com as novas tecnologias não há mais razão para não investir num equipamento que permita a transmissão – por vídeo ou fotografia - de informação -  factos não conformes -  em tempo real a quem de direito. (com preferência investir um equipamento que grave a informação transmitida, com registo de destinatários e momento)
- informar outros responsáveis da empresa quando as actividades de SST implicarem a adopção de medidas cuja concretização dependa essencialmente daqueles
- não só dá cumprimento ao nº 3 do art. 98 da Lei nº 102/2009 como co-responsabiliza os destinatários da informação. Aconselha-se a que esta informação seja acompanhada das consequências, em termos fácticos, da sua não adopção, para evitar desresponsabilizações pela inexistência de dolo ou negligência dos destinatários.
- AGIR PRIMEIRO (no caso de risco elevado, que consubstancie perigo grave e eminente) e só depois efectuar as comunicações para os mais diversos efeitos.
- o primado da acção em matéria de SST é fundamental para afastar a responsabilidade do técnico de SST. Mesmo quando não mandatado, deverá agir como “GESTOR DE NEGÓCIOS” se conhecer o objectivo da norma que confere direitos ou atribui obrigações ao “dono do negócio” (tem proteção legal assegurada). Em Tribunal de nada serve ter um relatório cheio de recomendações e fotografias de situações a corrigir. Vale ZERO, se não tiver sido acompanhado da evidencia de ações imediatas que o Tec. SST tiver tomado para diminuir o risco.
- comunicar “online” com os superiores hierárquicos da SST (membro da administração ou outro superior hierárquico delegado) os factos e as decisões tomadas com eles conexos
- com as novas tecnologias não há mais razão para não investir num equipamento que permita a transmissão – por vídeo ou fotografia - de informação -  factos não conformes -  em tempo real a quem de direito. (com preferência investir um equipamento que grave a informação transmitida, com registo de destinatários e momento)
- obter antecipadamente todos os contactos relevantes em matéria de SST, nomeadamente dos responsáveis de SST de 1ª linha, de organismos oficiais, ACT, SIAVE, Bombeiros, INEM, Polícia, Ministério Público, etc.
- em caso de risco elevado, de acidente, de conflito de interesses entre SST e produtividade quando essa questão não estiver já resolvido através de outros mecanismos, é fundamental poder contactar com as entidades e fim de prevenir o dano ou evitar o seu agravamento
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Outros

- informar-se oficiosamente (o Tec. SST) junto das entidades oficiais – ACT, Ministério Público – sobre a possibilidade de se efetuarem denuncias anónimas ou não relativas a situações graves a ocorrer nas empresas e em caso afirmativo, os termos em que tal deve ser feito. (especialmente para crimes de perigo comum).
 
- o Tec.SST deve estudar muito bem o quadro legal em matéria de responsabilidades em que ele próprio pode ocorrer.
O conhecimento desta matéria permitirá em cada momento a tomada de decisões de forma mais segura e consciente.
Conhecer os mecanismos da denúncia em Portugal é uma das componentes desta vertente.