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quarta-feira, 18 de maio de 2016

Medicina do Trabalho ... só por Médicos do Trabalho

A Portaria n.º 121/2016 de de 4 de maio vem proceder à revogação da Portaria n.º 112/2014, de 23 de maio, que regula a prestação de cuidados de saúde primários do trabalho através dos Agrupamentos de Centros de Saúde visando assegurar a promoção e vigilância da saúde a grupos de trabalhadores
específicos, de acordo com o previsto no artigo 76.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro,

Assim, a partir da entrada em vigor deste diploma (5 de maio de 2016) as atividades de saúde no Trabalho têm de ser exercidas, obrigatoriamente, por Médico do Trabalho devidamente qualificado.


(Transcrição do preâmbulo do diploma)

A Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, na sua atual redação, aprova o regime jurídico da promoção da segurança e da saúde no trabalho, prevendo a possibilidade da promoção e a vigilância da saúde a determinados grupos de trabalhadores ser assegurada através das unidades do Serviço Nacional de Saúde, de acordo com legislação específica a aprovar pelo ministério responsável pela área da saúde.

Neste âmbito, a Portaria n.º 112/2014, de 23 de maio, veio regular essa possibilidade, determinando que a promoção e vigilância da saúde a grupos de trabalhadores específicos é efetuada através da prestação de cuidados de saúde primários do trabalho, nos grupamentos de centros de saúde (ACES), por médicos das unidades funcionais dos respetivos ACES, com especialidade em medicina geral e familiar.
Posteriormente, o Despacho n.º 9184/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 135, de 16 de julho, veio clarificar os termos de aplicação do disposto na Portaria n.º 112/2014, de 23 de maio, determinando que nos ACES os médicos com especialidade de medicina geral e familiar prestam no âmbito estrito da Portaria n.º 112/2014,de 23 de maio, cuidados de saúde primários do trabalho,
não implicando os mesmos, neste sentido, o exercício da especialidade de medicina do trabalho pelo médico de medicina geral e familiar.

Importa, contudo, verificar que nos termos dos artigos 107.º e 108.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, na sua atual redação, lei habilitante à Portaria n.º 112/2014, de 23 de maio, a responsabilidade técnica da vigilância da saúde cabe ao médico do trabalho e as consultas de vigilância da saúde devem ser efetuadas por médico que reúna os requisitos previstos no artigo 103.º da referida lei, considerando -se médico do trabalho para efeitos da presente lei, o licenciado em Medicina com especialidade de medicina do trabalho reconhecida pela Ordem dos Médicos.

Neste contexto, as consultas de vigilância da saúde efetuadas no Serviço Nacional de Saúde, no âmbito do artigo 76.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, na sua redação atual, não podem ser asseguradas por especialistas de Medicina Geral e Familiar, por se tratar de funções específicas da especialidade de Medicina do Trabalho, para as quais estes profissionais não estão devidamente
habilitados, assim como, não pode ser emitida por estes especialistas, a respetiva ficha de aptidão.
Neste sentido, importa revogar o disposto na Portaria n.º 112/2014, de 23 de maio, garantindo -se a qualidade e segurança dos cuidados de saúde prestados no âmbito da saúde no trabalho aos grupos de trabalhadores específicos referidos no artigo 76.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, na sua redação atual.



quinta-feira, 28 de abril de 2016

Desastre, Cesário Verde

Uma homenagem a um poeta português, cujas preocupações sociais se refletem na obra ...


Desastre

Cesário Verde, 1875
A brisa que balouça as árvores das praças, Como uma mãe erguia ao leito os cortinados, E dentro eu divisei o ungido das desgraças, Trazendo em sangue negro os membros ensopados.
Um preto, que sustinha o peso dum varal, Chorava ao murmurar-lhe: «Homem não desfaleça!» E um lenço esfarrapado em volta da cabeça Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.
Flanavam pelo Aterro os dândis e as cocottes, Corriam char-à-bancs cheios de passageiros E ouviam-se canções e estalos de chicotes, Junto à maré, no Tejo, e as pragas dos cocheiros.
Viam-se os quarteirões da Baixa: um bom poeta, A rir e a conversar numa cervejaria, Gritava para alguns: «Que cena tão faceta! Reparem! Que episódio!» Ele já não gemia.
Findara honradamente. As lutas, afinal, Deixavam repousar essa criança escrava, E a gente da província, atónita, exclamava: «Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!»
Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos; Mornas essências vêm duma perfumaria, E cheira a peixe frito um armazém de vinhos, Numa travessa escura em que não entra o dia!
Um fidalgote brada a duas prostitutas: «Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!» Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.
Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer, De bagas de suor tinha uma vida cheia; Levava a um quarto andar cochos de cal e areia, Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.
Depois da sesta, um pouco estonteado e fraco, Sentira a exalação da tarde abafadiça; Quebravam-lhe o corpinho o fumo do tabaco E o fato remendado e sujo da caliça.
Gastara o seu salário — oito vinténs ou menos —, Ao longe o mar, que abismo! e o sol, que labareda! «Os vultos, lá em baixo, oh! como são pequenos!» E estremeceu, rolou nas atracções da queda.
O mísero a doença, as privações cruéis Soubera repelir — ataques desumanos! Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos Andara a apregoar diários de dez réis.
Anoitecia então. O féretro sinistro Cruzou com um coupé seguido dum correio, E um democrata disse: «Aonde irás, ministro! Comprar um eleitor? Adormecer num seio?»
E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro, — Conservador, que esmaga o povo com impostos —, Mandava arremessar — que gozo! estar solteiro! — Os filhos naturais à roda dos expostos...
Mas não, não pode ser... Deite-se um grande véu... De resto, a dignidade e a corrupção... que sonhos! Todos os figurões cortejam-no risonhos E um padre que ali vai tirou-lhe o solidéu.
E o desgraçado? Ah! Ah! Foi para a vala imensa, Na tumba, e sem o adeus dos rudes camaradas: Isto porque o patrão negou-lhes a licença, O Inverno estava à porta e as obras atrasadas.
E antes, ao soletrar a narração do facto, Vinda numa local hipócrita e ligeira, Berrara ao empreiteiro, um tanto estupefacto: «Morreu! Pois não caísse! Alguma bebedeira!»
30 de Outubro de 1875