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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Controlo de alcoolemia no meio laboral


O controlo da alcoolemia em meio laboral sofreu recentemente alterações significativas na sequência da nova perspetiva da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho sobre esta matéria.
Atendendo às consequências para as empresas decorrentes desta nova perspetiva, vimos com este artigo apresentar, em primeiro lugar, um enquadramento histórico desta temática e de seguida os requisitos dos Regulamentos de Alcoolemia na atualidade.

Enquadramento

- Anterior a 2008

1 – Desde há muito anos, ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de novembro de 1969 (estabelecia a regulamentação principal do contrato de trabalho), que é admissível aos empregadores adotar mecanismos de controlo do trabalho sob efeito de alcool ao abrigo do chamado “poder regulamentar”, isto é, do poder que o empregador dispõe para regulamentar aspetos organizativos da sua atividade que contendam com direitos dos trabalhadores.

2 – Isso acontecia mesmo sem existir na legislação laboral (nem mesmo na legislação relativa à SHST) uma solução legal que fundamentasse a adoção desses mecanismos de controlo do trabalho sob efeito de alcool. O mecanismo legal de “integração de lacunas” era aqui chamado para solucionar essa ausência.

3 – Os requisitos exigidos pela Inspeção do Trabalho para “validar” esses mecanismos de controlo resumiam-se de forma muito simples ao seguinte:

i) O Regulamento Interno (RI) de controlo de alcoolemia tinha de ser submetido
à aprovação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência – INTP (a que correspode atualmente a ACT) (art. 39º nº 3 do já referido DL 49408), (único requisito formal previsto)
ii) O INTP dispunha de um prazo de 30 dias para tomar decisão de aprovação ou não aprovação, findo o qual, não havendo decisão, o RI se consideraria aprovado;
iii) O RI deveria ser de aplicação universal (isto é, a todos os trabalhadores sob pena de ferir o princípio da igualdade) e aleatória (para evitar efeitos persecutórios);
iv) O RI deveria salvaguardar o princípio do contraditório, disponibilizando assim ao trabalhador um conjunto de meios de defesa contra o registo positivo da alccol.
v) Não era feita qualquer exigência de qualificação especial à pessoa responsável por levar a cabo o teste para despista de alccol.

4 – Nem mesmo a consagração no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, do direito de personalidade previsto no art. 19º, extremamnte exigente nas condições de sujeição a testes de alcoolémia aos trabalhadores, levou a ACT a mudar a sua perspetiva sobre os requisitos substantivos enumerados acima de iii) a v).


Artigo 19.º
Testes e exames médicos
1 - Para além das situações previstas na legislação relativa a segurança, higiene e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação.
2 - O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir à candidata a emprego ou à trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.
3 - O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a atividade, salvo autorização escrita deste.


- Após 2008

1 – Em 31 de janeiro de 2008 o Comité Especializado para as questões éticas e profissionais no trabalho do Grupo Pompidou – instância permanente do Conselho da Europa cujo objetivo é o desenvolvimento da cooperação multidisciplinar no âmbito da luta contra o abuso e o tráfico ilícito de drogas no espaço europeu - divulgou o resultado do trabalho que há já dois anos desenvolvia sobre o controlo do trabalho sob efeito de alcool e outras drogas, onde prespectivava a dependência do alcool e outras drogas como doença a tratar, mesmo que em meio laboral.

2 – Como consequência desse alerta auropeu, as autoridade nacionais envolvidas no combate ao alcoolismo decidiram finalmente pegar no assunto. Juntaram-se o IDT - Instituto da Droga e da Toxiciodependência, a ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, a Direção Geral de Saúde, a CNPD - Comissão Nacional de Proteção de Dados, algumas confederações patronais e associações sindicais e produziram documentação enquadradora da nova prespectiva de combate ao alcoolismo no meio laboral.

3 – Faltava a publicidade nos “media” para que este assunto, como em tantos outros na sociedade portuguesa, passasse à ordem do dia. A dita publicidade apareceu quando os “media” decidiram noticiar a decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 9 de outubro de 2009, de tornar improcedente a ação que a Autarquia do Porto, liderada pelo Dr. Rui Rio, intentou contra a decisão da CNPD - Comissão Nacional de Proteção de Dados de não validar alguns aspetos do Regulamento de Alcoolemia que a autarquia portuense sujeitara à apreciação da CNPD. E assim, repentinamente, os regulamentos de alcoolemia passaram para à ribalta.

4 – Surgem, logo de seguida, documentos de várias entidades com novas orientações sobre o que pode e deve, ou não, constar num Regulamento de alccolemia no trabalho para se poder aplicar, nomeadamente:
- Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral em “Segurança e Saúde do Trabalho e a Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoativas” (Protocolo entre ACT, CNPD através da Deliberação nº 440/2010, DGS, IDT, CIP, CCP, CGTP, UGT, SPMT)
- Deliberação nº 890 /2010 – CNPD - Aplicável aos tratamentos de dados pessoais com a finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoativas efetuados a trabalhadores na sequência da Deliberação nº 440/2010.

5 – Esta questão coloca-se com maior importância nas situações em que os Contratos Coletivos de Trabalho não prevêm testes para despiste do trabalho sob efeito de álcool ou estupefacientes, pois só aí se coloca a necessidade da elaboração do Regulamento de alcoolemia.
Porém, também nos Contratos Coletivos de Trabalho onde já estão regulados este tipo de testes, os princípios orientadores divulgados pela ACT e CNPD deveriam ser seguidos pelos Outorgantes patronais e sindicais, o que efetivamente não acontece.


Os requisitos dos Regulamentos de Alcoolemia na atualidade

Analisemos agora os requisitos – de forma e de substância – que as autoridades exigem para a correta elaboração e vigência de um Regulamento de Alcoolemia (com base nos dois documentos acima referidos e no Relatório do Grupo Pompidou já mencionado)

Requisitos formais:

- Existência de documento escrito sob a forma de R.I. (artº 99º nº 1 do Código do Trabalho);

- Envio do R.I. à ACT – Autoridade para as Codições de Trabalho (artº 99º nº 2 al. b) do CT);

- Publicitação do respetivo conteúdo junto dos trabalhadores de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento (artº 99º nº 2 al. a) do CT);

- Sujeição a controlo prévio e autorização da CNPD – Comissão Nacional de Proteção de Dados (artº 28º al. a) da Lei nº 67/98 referente à proteção de dados.

Requisitos substantivos:

- Consideração dos dados relativos à alcoolemia e drogas como “dados de saúde” abrangidos pela categoria de “dados sensíveis” do artº 7º da Lei nº 67/98;

- Só é permitido o registo de referências genéricas (se consome ou não consome);

- Não autorização de tratamento automatizado, de forma generalizada (para todo o universo de trabalhadores da empresa) com detalhe que permita estabelecer “perfis de consumo” (quantidades e tipos consumidos);

- Os testes de alcoolemia por razões de segurança e saúde servem uma finalidade específica - segurança e saúde dos próprios ou de terceiros – pelo que apenas são legitimos testes “restritos às categorias de trabalhadores cuja atividade possa por em perigo a sua integridade física ou de terceiros”;

- Ilegitimidade da regra de “sorteio” ou decisão discricionária superior. Se os testes de alcoolemia servem uma finalidade específica - segurança e saúde dos próprios trabalhadores ou de terceiros – só devem ser utilizados quando os trabalhadores efetivamente se apresentem com índícios de alcoolemia.

- Dúvidas quanto à adequação do limite de alc.0,5 nos casos de atividade profissional de baixo risco.

- A fundamentação terá de ser dada sempre por escrito.

- O consumo de substâncias psicoativas em si não constitui justa causa de despedimento. Apenas o comportamento que possa resultar desse “estado” pode ser submetido no âmbito do artº 351 do Código do Trabalho;

- Obrigatoriedade do teste de controlo ter de ser sempre efetuado por profissional de saúde (médico do trabalho ou outro profissional de saúde por delegação do médico do trabalho);

- A informação que resultar dos testes deve ser de acesso exclusivo ao médico do trabalho ou, sob sua direção e controlo, a outros profissionais de saúde obrigados ao dever de sigilo;

- A informação de saúde, na qual se incluem os resultados dos testes, em caso algum poderá ser comunicado ao empregador, apenas lhe podendo ser dado conhecimento do estado de aptidão ou inaptidão do trabalhador;

- Conservação dos resultados pelo prazo máximo de 1 ano, exceto em situações de existência de processo judicial, enquanto se mostrar necessária;

- Os testes só podem ser efetuados no estrito cumprimento da Lei (Código do Trabalho e Lei nº 102/2009)


Conclusão

A nova perspetiva sobre o consumo do alcool e outras drogas, como patologia a combater quer no meio civil quer no laboral – causa nobre e digna - determinaram a adoção, pelas Autoridades com competência nesta matéria, de um conjunto de princípios orientadores da elaboração e vigência dos Regulamentos de Alcoolemia no meio laboral que podem comprometer de forma séria a segurança dos trabalhadores se aplicada de forma cega ao tecido empresarial português.

Temos cerca de 350.000 sociedades comerciais ativas em Portugal, e pouco mais de mil médicos do trabalho (estima-se que cerca de 1.300 inscritos no colégio respetivo,mas nem todos no ativo), o que dá uma média de cerca de 1 médico do trabalho por cada 270 empresas.

Se é certo que está em causa a defesa de um direito de personalidade consagrado na Lei – art. 19º do Código do Trabalho atual, não é menos verdade que, face ao panorama do país (1 médico do trabalho por cada 270 empresas), obrigar as empresas a cumprir com todos os requisitos impostos pelas autoridades nesta matéria irá comprometer de forma seríssima a defesa de um outro bem maior, a vida e integridade física dos trabalhadores.

Cabe a cada empresário, em consciência, saber como decidir em concreto quando esteja em causa um conflito entre a defesa de um direito de personalidade – art.19º do CT - e de direitos constitucionalmente consagrados como os que abaixo se transcrevem da Constituição da República Portuguesa.

Artigo 24º - Direito à vida
1. A vida humana é inviolável.

Artigo 25º - Direito à integridade pessoal
1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.

Artigo 59º - Direitos dos trabalhadores
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional..

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