Autoria:
Paulo Moreira
Jurista / Sócio fundador da Factor Segurança
A obrigatoriedade da organização das atividades de segurança, higiene e
saúde no trabalho (SHST, na designação antiga) nas empresas foi introduzida em
Portugal pelo Decreto-Lei nº 441/91, de 14 de Novembro, sendo
inicialmente regulamentada pelo Decreto-Lei nº 26/94, de 1 de Fevereiro, e a partir de 2004 pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho,
que regulamentou a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do
Trabalho, e após 2009 pela Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, que aprova o atual regime da promoção da segurança
e saúde no trabalho (SST, na nova designação).
Ao longo dos três regimes, a organização das atividades de SHST nas
empresas nunca se alterou substancialmente, assentando sempre em três tipos de
modalidades de serviços (internos, comuns (anteriormente designados interempresas)
e externos), sendo que nos serviços internos existia a possibilidade de as atividades
serem exercidas pelo empregador ou por trabalhador designado em determinadas
circunstâncias.
Ao longo dos três regimes (período de vinte anos) sempre existiu a possibilidade da promoção e vigilância da saúde
poderem ser asseguradas através das instituições e serviços integrados no
Serviço Nacional de Saúde existe, conforme se pode verificar pelas disposições
legais constantes do quadro comparativo abaixo reproduzido:
Decreto-Lei nº 26/94
|
Lei nº 35/2004,
Regulamento do Trabalho
|
Lei nº 102/2009, de
10 de Setembro
|
Artigo 11.º - Serviço Nacional de Saúde
1 - Sem
prejuízo do disposto no artigo 3.º, as atividades de promoção e vigilância
da saúde podem ser asseguradas através das instituições e serviços integrados
no Serviço Nacional de Saúde nos seguintes casos:
a)
Trabalhadores independentes;
b)
Vendedores ambulantes;
c)
Trabalhadores agrícolas sazonais e eventuais;
d)
Artesãos e respectivos aprendizes;
e)
Trabalhadores no domicílio;
f)
Trabalhadores do serviço doméstico;
g)
Explorações agrícolas familiares;
h) Pesca
de companha;
i)
Trabalhadores de estabelecimentos referidos no n.º 1 do artigo 6.º
2 - As
entidades patronais e, nos casos das alíneas a), b), g) e h) e dos artesãos,
os próprios profissionais devem fazer prova da situação prevista no número
anterior que confira direito à assistência através de instituições e serviços
integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como pagar os respectivos
encargos.
|
Artigo 221.º - Serviço
Nacional de Saúde
1 - A promoção e vigilância da saúde podem ser asseguradas
através das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde
nos seguintes casos:
a) Trabalhador independente;
b) Trabalhador agrícola sazonal e a
termo;
c) Aprendiz ao serviço de artesão;
d) Trabalhador do serviço doméstico;
e) Pesca de companha;
f) Trabalhador de estabelecimento
referido no n.º 1 do artigo 225.º
2 - O empregador e o trabalhador independente devem fazer
prova da situação prevista no número anterior que confira direito à
assistência através de instituições e serviços integrados no Serviço Nacional
de Saúde, bem como pagar os respectivos encargos.
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Artigo 76.º -
Serviço Nacional de Saúde
1 - A promoção e
vigilância da saúde podem ser asseguradas através das unidades do Serviço
Nacional de Saúde, de acordo com legislação específica aprovada pelo
ministério responsável pela área da saúde, nos seguintes grupos de
trabalhadores:
a) Trabalhador independente;
b) Trabalhador agrícola sazonal e a termo;
c) Aprendiz ao serviço de um artesão;
d) Trabalhador do serviço doméstico;
e) Trabalhador da atividade de pesca em embarcações
com comprimento até
f) Trabalhadores de microempresas que não exerçam
atividade de risco elevado.
2 - O empregador e o
trabalhador independente devem fazer prova da situação prevista no número
anterior que confira direito à assistência através de unidades do Serviço
Nacional de Saúde, bem como pagar os respectivos encargos.
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Essa possibilidade nasceu com o Decreto-Lei nº 26/94, manteve-se durante o período de vigência da Lei nº 35/2004, e foi renovada na Lei nº 102/2009, que aprova o atual regime da promoção da SST.
Desde a versão do Decreto-Lei
nº 26/94, que várias associações patronais, empresariais e grupos de interesse
tentaram que o Estado regulamentasse aquela dita possibilidade, o que apenas
acontece vinte anos volvidos sobre a sua inicial consagração legal.
A 23 de Maio deste ano (2014) o Ministério da Saúde publicou a Portaria n.º 112/2014 que, finalmente, regula a prestação de “cuidados de saúde primários do trabalho” através dos Agrupamentos de Centros de Saúde (doravante referidos como ACES), concretizando as condições de que depende a promoção da saúde no trabalho dos grupos de trabalhadores indicados no n.º 1 do artigo 76.º da Lei n.º 102/2009, nomeadamente a:
a) Trabalhador independente;
b) Trabalhador agrícola sazonal e a termo;
c) Aprendiz ao serviço de um artesão;
d) Trabalhador do serviço doméstico;
e) Trabalhador da atividade de pesca em embarcação com comprimento inferior a 15 m cujo armador não explore mais do que duas embarcações de pesca até esse comprimento;
f) Trabalhadores de microempresas (até 10 trabalhadores) que não exerçam atividade de risco elevado.
a) Trabalhador independente;
b) Trabalhador agrícola sazonal e a termo;
c) Aprendiz ao serviço de um artesão;
d) Trabalhador do serviço doméstico;
e) Trabalhador da atividade de pesca em embarcação com comprimento inferior a 15 m cujo armador não explore mais do que duas embarcações de pesca até esse comprimento;
f) Trabalhadores de microempresas (até 10 trabalhadores) que não exerçam atividade de risco elevado.
Reações dos agentes no mercado
A medida foi bem recebida pela generalidade das associações patronais e
empresariais que desde sempre pugnaram pela sua concretização, mas mal recebida
pela Ordem dos Médicos, representante dos profissionais com competência para
aplicar as medidas previstas na Portaria 112/2014.
Efetivamente, o âmbito definido na Portaria 112/2014 causou alguma
estranheza inicial porque, embora remetendo para o artigo 76.º da Lei n.º
102/2009, refere-se a um tipo de serviços “cuidados
de saúde primários do trabalho” que não vêm referidos nesse mesmo artigo
76.º, onde se fala em “promoção e
vigilância da saúde …”, entenda-se, “ … no
trabalho”, uma vez que estamos dentro do regime da promoção da segurança e
saúde no trabalho (SST).
O preâmbulo na Portaria 112/2014 não era
suficientemente esclarecedor quanto ao âmbito dos serviços nela previstos e só
dois meses depois, a
16 de julho, com a publicação
do Despacho n.º 9184/2014 e os considerandos feitos pelo
Ministério da Saúde no corpo desse despacho, se ficou a conhecer o verdadeiro
conteúdo desta forma de “vigilância da saúde no trabalho”.
Entretanto, a 26 de Maio, apenas 3 dias
após a publicação da Portaria 112/2014 (portanto, “a quente”), o Colégio da Especialidade de Medicina
do Trabalho da Ordem dos Médicos tomou a seguinte posição (clique para aceder
à versão integral) sobre o disposto na Portaria:
“1-A Portaria nº 112/2014 pretende regulamentar o
disposto no normativo português desde o Decreto-Lei nº 26/94, quanto à
possibilidade de a promoção e vigilância da saúde de alguns trabalhadores
poderem ser asseguradas através de instituições e serviços integrados no
Serviço Nacional de Saúde.
2-Reconhecemos a necessidade e a importância de
implementar tal prestação de serviços, a que poderá recorrer uma parte muito
significativa da população trabalhadora portuguesa.
3-A solução encontrada merece, no entanto, a nossa total discordância e repúdio, por pecar por 3 ordens de razões:
3-A solução encontrada merece, no entanto, a nossa total discordância e repúdio, por pecar por 3 ordens de razões:
a) Legais, pois que colide com o disposto no normativo
português desde o distante Decreto 47512, de 25/01/1967, (primeira
regulamentação portuguesa das atividades de Medicina do Trabalho), até à mais
recente regulamentação, a Lei nº 3/2014, que fixam, inequivocamente, que tais
serviços serão prestados por “médicos do trabalho”.
b) Técnico-científicos, pois que os médicos a quem a
portaria pretende atribuir tais funções carecem de formação nesta área. Se
assim não fosse, não se compreenderia que o Estado Português tivesse criado a
carreira médica de Medicina do Trabalho e o Internato Médico de Medicina do
Trabalho (Portaria nº 307/2012) e que, anteriormente, tivesse validado os planos
de formação da Ordem dos Médicos, desde 2002 com 4 anos de duração, em
consonância com o estabelecido nos acordos com a Comunidade Europeia.
c) Deontológicos, pois que coloca os médicos que os
praticarem sem a devida habilitação em violação do Código Deontológico da sua
profissão, com todas as possíveis consequências daí decorrentes.”
Posteriormente, a Ordem dos Médicos fundamentou a sua posição no parecer
jurídico do Departamento Jurídico do Conselho Nacional
Executivo da Ordem dos Médicos (acessível para download no final do comunicado da
Ordem do Médicos).
São os seguintes os argumentos deduzidos, fundamentados em posições de
ilustres administrativistas (Sérvulo Correia, Marcello Caetano):
1 - As portarias são regulamentos ministeriais, assinados apenas por um ou
alguns ministros emanados do Governo no âmbito da sua atividade administrativa,
só podendo estatuir na medida em que a lei lho consinta: dentro dos limites
por ela marcados, ou para execução das suas normas, ou sobre as matérias por
ela abandonadas”; assim, o regulamento não vale em todo aquilo que
contrariar o disposto na lei que executa, ou a cuja sombra nasce”
2 - A Portaria 112/2014 ao remeter, na parte
relativa à “saúde no trabalho”, para o regime da Lei nº 102/2009, fica dela
dependente no que se refere às disposições que determinam a “competência”
(designada por “responsabilidade técnica” na Lei 102/2009) para
a vigilância da saúde.
Assim, dispõe o artigo 107.º da Lei
102/2009 que cabe ao médico do trabalho a responsabilidade técnica da
vigilância da saúde, que as consultas de vigilância da saúde devem ser efetuadas
por médico do trabalho (médico que reúna os requisitos previstos no
artigo 103.º, isto é, por (i) licenciado em Medicina com especialidade de medicina do
trabalho reconhecida pela Ordem dos Médicos / (ii)
aquele a quem seja reconhecida idoneidade
técnica para o exercício das respetivas funções, nos termos da lei / (iii) outros licenciados
em Medicina autorizados a exercer as respetivas funções pelo ministério da
saúde) (nº 2 artigo 108.º), constituindo
violação grave a utilização de serviço de médico não habilitado nos termos do
artigo 103.º, imputável ao empregador.
Se entendermos que Portaria 112/2014 efetivamente regula o tipo de serviços
a que se refere o art.º 76º (promoção e
vigilância da saúde no trabalho) as habilitações exigidas deveriam ser as
referidas no parágrafo anterior (especialidade de medicina no trabalho) e
não as que vêm referidas no art.º
4º nº 2 da Portaria 112/2014, onde se diz que os
cuidados de saúde (primários) do trabalho são prestados pelos médicos (das
unidades funcionais dos respetivos ACES) com especialidade em medicina geral
e familiar, coadjuvados por profissionais das suas equipas. E nesta
suposição, não poderíamos deixar de estar de acordo com o parecer jurídico da
Ordem dos Médicos. (ilegalidade material)
Numa análise legalista (algo purista) da Portaria 112/2014, aceito, num
primeiro momento, que a Ordem dos Médicos tenha alguma razão
em opor-se à concretização da Portaria 112/2014.
A nossa posição
O artº 9º CC, relativo à interpretação da lei, fornece um conjunto de
elementos a que o intérprete pode, e deve, recorrer para fazer a interpretação
da norma jurídica (das regras aplicáveis ao caso concreto), nomeadamente
elementos lógicos (onde se inclui o histórico) e teleológicos (a razão de ser
da lei).
O artº 9º nº 1 do CC sugere ao intérprete que considere dois aspetos
fundamentais na “determinação” do sentido e alcance da norma que se pretende
interpretar; que se considerem “as circunstâncias em que a lei foi elaborada” e “as condições específicas do tempo
em que é aplicada”, como forma de incluir na interpretação os elementos lógico e
teleológico.
Quais são então as “circunstâncias
em que a lei foi elaborada” e “as
condições específicas do tempo em que é aplicada”, que justificam a tão
contestada opção prevista na Portaria 112/2014?
São as que são ditadas pela realidade da sociedade.
Analisemos alguns dados estatísticos que retratam essa sociedade:
·
A população ativa portuguesa a 30/06/2014 era de 5.243.500
trabalhadores (INE, relatório do II trim. 2014)
·
Em Portugal existem 907 médicos do trabalho inscritos no
colégio da especialidade de medicina do trabalho da Ordem dos Médicos (INE: Estatísticas da
Saúde 2012 – Edição 2014) (que dá 5.781 trabalhadores por médico do trabalho).
Resulta do artigo 105.º nº 3 da Lei 102/2009 que ao médico do trabalho é
proibido assegurar a vigilância da saúde de um número de trabalhadores a que
correspondam mais de 150 horas de atividade por mês. O nº 2 desse mesmo artigo
também diz que “o médico do trabalho deve conhecer os componentes
materiais do trabalho com influência sobre a saúde dos trabalhadores, desenvolvendo
para este efeito a atividade no estabelecimento nos seguintes termos:
a) Em estabelecimento industrial ou estabelecimento de outra natureza
com risco elevado, pelo menos uma hora por mês por cada grupo de 10
trabalhadores ou fração;
b) Nos restantes estabelecimentos, pelo menos uma hora por mês por cada
grupo de 20 trabalhadores ou fração”.
Se dividíssemos 5.781 trabalhadores por 20 (número de horas que o médico
deve dispor por mês para os restantes estabelecimentos), cada médico
deveria prestar 289 horas mês, quase o dobro do legalmente permitido
(150 h). Seria necessário quase o
dobro dos médicos do trabalho em Portugal para cumprir a imposição
legal do artº 105 nº 3 da Lei 102/2009. (e isto no pressuposto, errado, que não
haveria em Portugal empresas industriais ou de risco elevado e que não haveria
frações a considerar).
Se tivermos em conta que pelo menos 159 027 empresas (nº que peca por
defeito) a que correspondem 1.000.815 de trabalhadores caem dentro da al. a) do
nº 2 do artº 105º da Lei 102/2009 (circunstância em que o médico deve prestar
serviço pelo menos uma hora por mês por cada grupo de 10 trabalhadores ou
fração), o número de horas que cada médico deveria prestar passa de 289 horas
mês para 321 horas mês, mais do dobro legalmente permitido.
Mas a realidade é “nua e crua”, só
existem 907 médicos do trabalho em Portugal, menos de metade do que seria
necessário para fazer cumprir a lei tal qual existe.
A manter-se tudo como está, a
vigilância da saúde no trabalho nunca chegará a pelo menos metade da população
ativa.
·
Analisando a questão sob outro prisma, em Dezembro de 2012 existiam em Portugal
1.019.494 empresas (das quais 709 171 são sob a forma individual: empresários
em nome individual, profissionais liberais, etc., e 310 323 sob a forma
societária) com 1,5 trabalhadores ao serviço, em média. (empregam no
total 1.574.424 trabalhadores)
Se é verdade que muitas das microempresas são
constituídas por profissionais altamente qualificados e bem remunerados (caso
dos médicos, advogados, ROC’s, etc) não será menos verdade que muitas delas são
constituídas pelo empreendedor e um qualquer outro membro da família, que,
pelos mais variados motivos, decidiram criar autoemprego. São pessoas que a
“economia” não consegue absorver (em termos de emprego) e que tinham 4 opções:
emigrar, roubar, parasitar (eventualmente à volta do Estado) ou “criar o seu próprio
emprego”. Foi esta a ultima a sua opção. Estas ditas “empresas” desempenham uma
função social absolutamente determinante na sociedade, constituindo uma
alternativa de vida. Muitos destes “empresários” seriam trabalhadores por conta
de outrem se a conjuntura económica não lhes tivesse “trocado as voltas à vida”. Na maioria dos casos, são profissionais
extremamente desprotegidos em termos de proteção social.
Por essa razão, entendo ser da mais elementar justiça que
também eles possam beneficiar do SNS para este tipo de exames de medicina.
Se juntarmos estes “duas realidades”, que se
complementam, concluímos que manter o “status quo” não permitiria levar os
serviços de medicina do trabalho a todos os trabalhadores portugueses.
Para a resolução deste problema não forneceu a Ordem dos
Médicos qualquer solução, limitando-se à interpretação legal, não construtiva,
de determinada solução legal apresentada pelo Ministério da Saúde.
A solução encontrada
pelo Ministério da Saúde
Que fez então o Ministério da Saúde para tentar
minorar o problema de ausência de médicos do trabalho?
Criou uma solução legal que, embora considerando como
destinatários os trabalhadores que vêm referidas no nº 1 do art.º 76º da Lei nº
102/2009, preconiza que a avaliação da saúde daqueles trabalhadores por parte
dos médicos de medicina geral e familiar tenha em consideração aspetos da
ocupação do trabalhador que possam ser avaliados por aquelas especialidades
médicas à luz dos seus conhecimentos científicos.
Assim, a 16 de julho, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, fez
publicar um Despacho
n.º 9184/2014, onde estabelece o enquadramento da prestação de
cuidados de saúde primários do trabalho nos Agrupamentos de Centros de Saúde.
Desse despacho, transcrevem-se os seguintes considerandos
essenciais para a perceção do alcance desta intervenção pelo SNS:
“… na boa prática da medicina geral e familiar, a mais
holística das especialidades médicas, as questões do contexto e da vivência da
pessoa, incluindo o seu trabalho e profissão deverão ser consideradas na
avaliação do estado de saúde do utente, dadas as repercussões que o ambiente do
trabalho tem no estado de saúde do individuo e na vida diária individual,
familiar e social.
Considerando que, no âmbito dos cuidados de saúde
primários, o médico de família acompanha o utente ao longo da vida, pelo que é
o profissional de saúde que está melhor habilitado para diagnosticar e tratar
as doenças das pessoas com trabalho e promover a sua saúde no seu contexto
geral e laboral”.
“Considerando que, o Plano Nacional de Saúde está
estruturado com intervenções na saúde das populações em contextos que incluem o
local de trabalho e a profissão, de forma generalizada e extensível a todos os níveis
de cuidados, com especial destaque para os cuidados primários.”
“… pretende -se que estes cuidados integrem também os
princípios basilares da saúde de pessoas com determinado tipo de trabalho ou ocupação,
de forma simplificada, como explícito na definição constante da Portaria
112/2014, de 23 de maio e sem que isso altere o exigível a qualquer médico, em
especial aos especialistas de medicina geral e familiar”.
É nesta linha de raciocínio que devem ser entendidos os
números 1 a 7 do Despacho supra referido.
Trata-se de uma solução que, não sendo excelente, pelo
menos permite alargar a um universo maior de trabalhadores a vigilância da
saúde num contexto que inclua o local de trabalho e a profissão.
O nº 4 do Despacho salvaguarda aquelas
situações que que exijam competências específicas e únicas que ultrapassem o
âmbito da atividade médica geral e não possam assim ser exercidas pelos
especialistas de medicina geral e familiar.
Sem prejuízo do que acima se expôs, o
próprio legislador limitou a aplicação da Portaria 112/2014 ao remeter para os
destinatários do art.º 76º da Lei 102/2009, onde se diz, expressamente, pelo
menos no caso dos trabalhadores de microempresas,
que só podem recorrer ao SNS as micro empresas que não exerçam atividade de
risco elevado.
Também o nº 7 do referido despacho
dispõe que os ACES podem escusar-se a assegurar a prestação de cuidados de
saúde primários do trabalho, por razões excecionais e deviamente justificadas, designadamente
a falta de capacidade de dar resposta dentro dos prazos legalmente estipulados
no artigo 7.º da Portaria n.º 112/2014 (dever
de informar sobre a data de realização do exame de admissão do trabalhador ou
do trabalhador independente, no prazo de 48 horas a contar da entrega do
requerimento).
Esperamos e desejamos que as exceções –
recusa e reconhecimento de incompetência nos casos de competências específicas
de medicina do trabalho - não se transformem em regra.
Porém, dada a elevada afluência ao SNS,
antevemos algumas dificuldades no agendamento de exames ocasionais (alterações substanciais nos componentes materiais
de trabalho e caso de regresso ao trabalho depois de uma ausência superior a 30
dias por motivo de doença ou acidente) e exames de admissão dentro
dos prazos legais e razoáveis.
Quanto aos exames periódicos, na medida
em que “os ACES podem utilizar, se
considerarem pertinente, as consultas habituais e respetivos exames
complementares para assegurar os cuidados de saúde primários do trabalho ao
utente”, não antevejo problemas de maior, assim queiram os médicos do ACES.
Seja qual for o resultado da implementação da
Portaria 112/2014, ele será sempre
melhor do que o “status quo” no qual os grupos de trabalhadores
indicados no n.º 1 do artigo 76.º da Lei n.º 102/2009, estão totalmente
afastados da vigilância da saúde no trabalho, qualquer que seja a vertente
analisada.
Alguma coisa, por pouco que seja, será sempre
melhor do que nada.
O conjunto de
argumentos expostos ao longo deste artigo permite-nos concluir que o
Ministério da Saúde esteve bem ao adotar a solução constante da Portaria n.º
112/2014, de 23 de Maio.
Esperemos que a Ordem dos Médicos, entidade com enorme responsabilidade
social, prestígio e importância na sociedade portuguesa, após reflexão
ponderada dos argumentos/bens que estão em jogo, venha a apoiar a medida
ministerial e incentivar os médicos dos ACES a trazer para dentro do sistema de
proteção de SST, na vertente de “cuidados
de saúde primários do trabalho” em
contexto geral e laboral, as pessoas referidas no art.º 76 da Lei nº 102/2009,
que voltamos a elencar:
a) Trabalhador independente;
b) Trabalhador agrícola sazonal e a termo;
c) Aprendiz ao serviço de um artesão;
d) Trabalhador do serviço doméstico;
e) Trabalhador da atividade de pesca em embarcações com comprimento até 15 m não pertencentes a frota pesqueira de armador ou empregador equivalente;
f) Trabalhadores de microempresas que não exerçam atividade de risco elevado.
b) Trabalhador agrícola sazonal e a termo;
c) Aprendiz ao serviço de um artesão;
d) Trabalhador do serviço doméstico;
e) Trabalhador da atividade de pesca em embarcações com comprimento até 15 m não pertencentes a frota pesqueira de armador ou empregador equivalente;
f) Trabalhadores de microempresas que não exerçam atividade de risco elevado.
ANEXO ESTATÍSTICO
NÚMERO DE MÉDICOS DO
TRABALHO EM PORTUGAL (OM 2009 / INE 2012)
Fonte: Ordem dos Médicos (dados estatísticos – 2009)
Total de médicos do trabalho em Portugal em 2009: 878
Fonte: INE (Estatísticas da Saúde 2012 – Edição 2014)
Total de médicos do trabalho em Portugal em 2012: 907
Verificou-se um aumento de médicos de medicina do trabalho de apenas 3% (29 médicos) em 3 anos.
Uma análise clara e construtiva!
ResponderEliminarO bom-senso é uma qualidade que muitas das elites da sociedade, das que têm as suas necessidades satisfeitas e muitas vezes em demasia, se esquecem de aplicar.
Muito obrigado pela leitura do artigo e pelo seu comentário.
EliminarEsperamos continuar a contar com a sua participação, para nós muito importante, neste blog.